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resta 1

primeiro capítulo
O fim e o início

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Ela massageava a barriga, sentindo o bebê, mas estava extremamente triste. E também preocupada como nunca esteve antes, ou até mesmo em pânico, morrendo de medo de que o que aconteceu em sua primeira gestação se repetisse: um natimorto. Nove meses de espera, fraldas compradas, o quarto todo preparado com um berço para, na última hora, tudo desmoronar. O pré-natal não apontava nenhum problema, mas, na hora do nascimento, a criança morreu 3 minutos depois. 180 segundos de vida. Um sopro de vida que não apagaria nenhuma vela, mas que causou um trauma gigantesco para os seus pais. O bebê morreu por causa de complicações da placenta, ou do cordão umbilical. Algo assim, a mãe não sabe direito. Depois da notícia que o bebê estava morto, tudo virou um borrão.

Se existe depressão pós-parto, certamente deveria existir depressão pré-parto. A TV passava algum programa idiota de meio de tarde, o ar estava abafado, o ventilador fazia um barulho irritante e as pernas grudavam uma na outra. Tudo parecia um incômodo, além da angústia. O bebê ia nascer a qualquer dia. A mãe só pensava no que daria errado desta vez. O pai não estava em casa, tinha saído para fazer compras. 

 

A tristeza é algo que se potencializa quando se está sozinho, mas, às vezes, estar sozinho é necessário. Isso porque, quando estamos tristes e em volta de muitas pessoas, temos que gastar energia para fingir que está tudo bem, manter a compostura, não podemos viver a tristeza em sua plenitude. E a grávida estava vivendo sua tristeza de forma completa, só que com culpa. Culpa por não estar bem para receber seu bebê que estava prestes a nascer. Culpa por se sentir tão fraca emocionalmente. E também estava muito cansada. Foi deitar-se cedo, antes do marido chegar e logo caiu no sono.

Dormiu profundamente e acordou no dia seguinte com uma bandeja de café da manhã trazida pelo seu marido. Ele estava muito preocupado com sua mulher e o bebê. Levar o café da manhã para a cama tornou-se um hábito. A grávida não achava ruim, gostava de ser mimada. Porém, sentia que às vezes sua gravidez era tratada como uma doença pelo seu marido. Não só por ele, mas por diversas pessoas ao seu redor. Não é que as pessoas tivessem essa má intenção, mas muitas pessoas ficariam surpresas com o que uma mulher grávida é capaz, tanto emocionalmente quanto fisicamente falando. Ela não estava bem, mas não era por causa da gravidez em si, e, sim, por causa de uma experiência muito ruim que, por acaso, tinha a ver com estar grávida. Eu entendo que a gravidez possa ser vista como algo com certa dualidade. Isso porque algumas desejam muito engravidar, enquanto outras temem que isso aconteça. Uma dádiva para algumas, uma maldição para outras.  Um divisor de águas, um grande acontecimento, mas, ainda assim, algo extremamente comum. Afinal, cada um de nós representa uma gestação.

Levantou-se, foi tomar banho. No fim da gestação, a barriga passava a ser um incômodo. Olhou-se pelada no espelho e acariciou aquela bola enorme. Tinha dias em que achava seu corpo nu poético daquela forma, em outros, sentia-se ridícula, como alguém que engoliu uma melancia inteira de uma só vez. Abriu o chuveiro que ainda estava frio, mas sentiu uma água morna indo direto para suas pernas. Era outra água, era da sua bolsa que havia acabado de estourar. Gritou o nome do marido, enrolou-se na toalha e secou o pouco do seu corpo que havia se molhado. Fez um esforço para afastar as lembranças que vieram de quando ela passou por isso pela primeira vez e seu filho acabou sendo um natimorto. Desta vez, seria diferente. Apesar da tristeza, havia sido uma gestação perfeita. 

O trânsito estava fluído, mas parecia que chegar ao hospital estava levando uma eternidade. Ela sentia algumas contrações, mas não sentia dor. Para falar a verdade, como um escritor homem, não seria verdadeiro da minha parte com o leitor, e principalmente com a leitora, eu descrever o que uma mulher sente ou deixa de sentir em seu corpo num momento desses. Talvez seja mais sincero descrever seu estado emocional. Pois bem, a grávida, de repente, deixou de sentir a ansiedade em chegar logo ao hospital. Começou a reparar em detalhes do percurso. Reparou que havia uma espécie de organização para refugiados no caminho, o que era, de certa forma, curioso, já que ela já havia passado por aquele trajeto inúmeras vezes e nunca tinha reparado nesse lugar. Engraçado como há coisas que nunca vemos a não ser que paremos por um momento para, de fato, observar. Perdida em pensamentos soltos, a grávida sentiu que as coisas a seguir foram acontecendo alheias às suas percepções.

Ela desceu do carro e teve a impressão de que um segundo depois estava em uma cama, com um médico dizendo coisas a seu marido. Algo sobre dilatação, parto natural e um processo surpreendentemente rápido. Seu marido segurou sua mão e parecia que esse toque a fez despertar de seu estupor. O parto estava acontecendo, ela devia fazer força, mas sua primeira reação foi chorar. A memória da perda de seu primeiro filho em 180 segundos veio à tona. Viver uma situação parecida com a de um trauma traz tudo de volta. Todo o desespero que ela estava tentando esconder no canto mais profundo de sua cabeça chegou à superfície.

Médico e marido pararam por um momento, sem saber direito o que fazer. Aguardaram e viram o choro se transformar em força, quase raiva até. A grávida estava prestes a deixar de ser grávida e passar a ser mãe. O marido estava prestes a deixar de ser só marido e ser pai. Bem, o médico continuaria sendo um médico, apenas com um parto a mais em sua carreira. Entretanto, estar prestes não é de fato ser algo. E nenhum dos três se tornaria o que supostamente estavam prestes a ser.

O médico pedia para que ela fizesse só mais um pouco de força, a cabeça estava quase toda para fora, o bebê estava prestes a ser totalmente puxado, ter seu cordão umbilical cortado, viver por aproximadamente 80 anos e morrer por um infarto fulminante. Mas, como eu disse antes, estar prestes aqui não significa nada.

A dor cessou de repente, a ex-grávida não sentia nada. O médico havia parado de pedir para que ela fizesse mais força. Ele levantou seu rosto das pernas da mulher, encarou-a diretamente nos olhos com uma expressão de puro espanto e confusão. Olhou para o homem que estava prestes a ser pai por um momento e voltou-se para a mulher que estava prestes a ser mãe. Como quem não acreditava nas próprias palavras, disse: “o bebê sumiu.”

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